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Votação sobre jogos de azar avança em comissão do Senado

07/02/2018

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Para o senador Benedito de Lira, relator da proposta, liberação pode proporcionar até R$ 20 bilhões em impostos

Após anos de idas e vindas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve votar este mês a legalização dos jogos de azar no país. O relator da proposta, senador Benedito de Lira (PP-AL), está otimista em relação ao avanço do tema em 2018.

O projeto de lei do Senado (PLS) 186/2014 é uma duas das propostas em discussão no Congresso Nacional e se encontra em estágio mais avançado que o PL 442/1991, que há 27 anos tramita na Câmara. A aprovação na comissão mais importante do Senado deve ocorrer logo após o início do ano legislativo, a partir desta semana, acredita o relator.

Segundo Lira, a legalização das diversas modalidades de jogos prevista em seu relatório deverá gerar uma arrecadação anual de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões em impostos. Em tempos de crise fiscal, essa arrecadação extra pode ser um motivador para que o governo encampe de vez o projeto.

“Não é pouco recurso. E é um dinheiro que hoje não existe nos cofres da União”, disse ele ao Valor.

A tendência, hoje, segundo fontes ouvidas pelo Valor, é que a CCJ aprove o projeto de Lira e que o tema vá a plenário no Senado. Há um acordo tácito para que os deputados aguardem a votação no Senado e, a partir de então, promovam as mudanças que julgarem necessárias. “Estou esperando o que vai vir do Senado”, disse o deputado Guilherme Mussi (PP-SP), relator do projeto que tramita na Câmara.

A avaliação de alguns deputados é que a tramitação do projeto na Câmara seja mais lenta. Mussi é cauteloso quanto a prazos, pois considera que o governo Temer tem outras prioridades, como a reforma da previdência.

Entre novembro e dezembro de 2017, o PLS 186 esteve pronto para ser votado por diversas vezes na CCJ. Mas os conflitos de interesse em torno do tema se refletiram em pedidos de vista feitos por senadores, enquanto grupos variados tentavam influenciar os parlamentares por uma redação mais favorável a seus negócios.

Empresários ligados aos cassinos de Las Vegas e grandes resorts de Cingapura, por exemplo, defendem uma liberação mais restritiva, dados os investimentos bilionários que pretendem fazer em empreendimentos no Brasil.

Esse modelo tem a simpatia do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mas contrasta com o interesse de grupos argentinos e empresários brasileiros, que se dizem prontos para investir em cassinos de menor porte.

Assim como os grandes resorts, esses cassinos menores querem limitar o funcionamento de máquinas de videopôquer e outros jogos eletrônicos a seus estabelecimentos. Na outra ponta, empresários ligados aos jóqueis clubes manifestaram interesse em operar com essas máquinas, cujos fabricantes pressionam por uma liberação mais ampla.

A liberação irrestrita dessas máquinas também interessa aos bicheiros, que atualmente já operam com equipamentos eletrônicos, segundo pessoas que acompanham o tema no Congresso.

Benedito de Lira, no entanto, estipulou que os videojogos sejam explorados apenas pelos cassinos. Os bingos vão explorar as máquinas de videobingo – que simulam sua atividade por meio eletrônico. O mesmo ocorre com os jóqueis clubes, que terão autorização para operar somente as máquinas que simulam corridas de cavalo.

Na esfera pública, Estados e municípios brigam para ter a competência de credenciar e fiscalizar estabelecimentos e empresas para a exploração de bingos, cassinos e jogo do bicho, a ser legalizado.

A Caixa Econômica Federal e as loterias estaduais disputam o controle de modalidades de loterias. Esse detalhamento, porém, deverá ficar para a regulamentação da lei.

Também há discordâncias com relação à fatia dos impostos que caberia a cada um dos entes da Federação. O projeto de Lira fixou que a União ficará com 40% do valor dos tributos, e o restante será dividido igualmente entre Estados e municípios.

O texto atribui ao governo federal a competência exclusiva de regulamentar e credenciar o jogo no país. A exceção são os bingos, cujo credenciamento fica a cargo dos Estados, assim como a fiscalização dos estabelecimentos credenciados em seus territórios.

O governo federal também será o responsável por credenciar interessados em explorar o jogo do bicho, embora a exploração dessa modalidade seja circunscrita ao nível municipal. Foi uma maneira que o relator encontrou para evitar a influência dos bicheiros sobre o processo de concessões e de fiscalização do jogo.

No caso dos cassinos, Lira optou por legalizá-los nos moldes dos resorts integrados.

O PLS 186 foi congelado no fim de 2016, quando estava prestes a ser votado no plenário pelos senadores. No dia marcado para a votação, 14 de dezembro, o senador Magno Malta (PR-ES), que é pastor evangélico, apresentou requerimento para que o texto voltasse à CCJ, sob o argumento formal de avaliar sua constitucionalidade. Ele teve apoio de 44 colegas, enquanto 19 votaram contra.

A matéria hibernou durante meses na comissão, ao longo de quase todo o ano passado. Até que, em 7 de novembro, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), ressuscitou a proposta após uma reunião com governadores em Brasília. Ele vinculou seu apoio à liberação dos jogos à aplicação dos impostos arrecadados na área de segurança pública – apesar de a Constituição determinar que o dinheiro seja usado na seguridade social.

A partir da declaração de Eunício, lobistas de diversos setores voltaram a percorrer os corredores do Congresso. Vieram a Brasília representantes de bingos nacionais, cassinos de Las Vegas, Hong Kong e Buenos Aires, resorts de Cingapura, entidades europeias de jogos eletrônicos. Lobbies de setores que se beneficiariam indiretamente da liberação dos jogos, como fabricantes de bebidas destiladas, também passaram a acompanhar o tema com mais atenção.

Para um empresário brasileiro interessado no setor, “o projeto da Câmara atende mais ao pequeno empresário, ex-dono de bingo, ao jogo do bicho. O do Senado trará mais capital estrangeiro, mais investimento”. Para ele, o maior complicador para o projeto no momento “é a falta de disposição do governo de criar descontentes”.

Os jogos de azar foram proibidos no Brasil em 1946, por um decreto-lei do então presidente Eurico Gaspar Dutra. Religiosa, a primeira-dama Carmela Leite Dutra, a dona Santinha, teria pressionado o marido a tomar a medida. É justamente na bancada religiosa no Congresso que está o maior foco de resistência à volta da jogatina. Mas não o único. Deputados como Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) veem na liberação uma ameaça à saúde pública. “Tive um caso na família de uma pessoa que perdeu tudo no jogo”, afirma o parlamentar. “O que difere a loteria dos jogos de azar é a compulsão por jogar.” (Valor Econômico – Fabio Murakawa – De Brasília)