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Não é sorte: o boom do pôquer no Brasil

19/10/2015

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Por qualquer ângulo que se olhe, os números são superlativos: de 25 de novembro a 3 de dezembro, nos salões do Sheraton, em São Paulo, mais de quatro mil jogadores disputarão a última etapa do Brasil Series of Poker (BSOP), o campeonato brasileiro da modalidade, evento que prevê distribuir R$ 24,8 milhões em prêmios aos vencedores de seus 32 torneios. Em sua décima edição, o circuito BSOP deve fechar 2015 distribuindo R$ 44 milhões em prêmios em suas sete etapas. Será, de longe, a competição esportiva com maior premiação no país — como comparação, o Brasileirão de futebol deu, em 2014, R$ 30 milhões aos clubes mais bem colocados.

Jogo de cartas mais popular do mundo, praticado há séculos (a versão de que é originado de um jogo persa, adaptado por europeus, é a mais aceita), o pôquer vive um boom mundial nos últimos 20 anos, desde que a modalidade Texas Hold’em, criada nos EUA, virou febre mundial em torneios pela internet e ao vivo. No Brasil, o crescimento é exponencial em número de praticantes e valor comercial gerado, ignorando a crise econômica.

Reconhecida pelo Ministério do Esporte em 2012 e filiada à Associação Internacional de Esportes da Mente (ISMA, em inglês, órgão que reúne modalidades como xadrez, gamão e bridge), a Confederação Brasileira de Texas Hold’em (CBTH) considera vencida a batalha do reconhecimento como esporte, apesar do preconceito ainda existente ligado ao mundo das apostas aleatórias, ainda existente. Quer agora outro passo: dar início, no Congresso, à formulação de uma legislação que represente um marco regulatório da prática no país.

— A regulamentação é fundamental, vai nos possibilitar gerar mais empregos, permitirá que quem trabalha com o esporte se organize coletivamente, em associações, eventualmente sindicatos, vai gerar mais impostos — elenca Igor Trafane, o “Federal”, um paulista de São João da Boa Vista, de 43 anos, que deixou a sociedade de uma rede de cursos de idioma para se dedicar ao pôquer e hoje preside a CBTH. — Nossa luta é para regulamentar, porque legal já é. Proibidos são os jogos de azar. O pôquer é um esporte de habilidade.

Segundos os defensores, tão pouco atlético quanto seriam o pedagógico xadrez ou o olímpico tiro esportivo, mas exigidor de habilidade mental e resistência física adequada às horas dos torneios.

4 milhões de praticantes no país

A regra é clara e está descrita no decreto-lei 3.688, baixado pela ditadura Vargas em 3 de outubro de 1941. A chamada Lei das Contravenções Penais proíbe a exploração e a prática dos jogos de azar e define: “Consideram-se jogos de azar aqueles em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”. A comunidade do pôquer argumenta que o fator aleatório (a distribuição das cartas) é apenas uma das variáveis que determinam o ganhador de cada mão, e que na maioria das vezes não vence quem tem as cartas mais altas. A frieza e a coragem para o blefe, a capacidade de ler os adversários, a paciência, o conhecimento de matemática e probabilidade são habilidades importantes no pôquer.

— Há um entendimento legal, de decisões de Tribunais de Justiça de vários estados do país, de que não é um jogo de azar. A questão nunca chegou a tribunais superiores em Brasília, como o STJ ou o STF — explica Pedro Fida, advogado especializado em direito esportivo.

Segundo a CBTH, há cerca de quatro milhões de praticantes do pôquer no Brasil (o cálculo parte do total de contas brasileiras ativas em sites de pôquer on-line). A maioria é de amadores (jogam com regularidade) ou recreativos (esporádicos). Já são, porém, mais de 50 mil os profissionais (que vivem exclusivamente do pôquer) ou semiprofissionais (com renda mista entre o esporte e outra atividade).

Nos últimos anos, grandes empresas do pôquer, como o site PokerStars, têm investido em atletas como garotos-propaganda, casos de Ronaldo Fenômeno e Neymar no Brasil. O Texas Hold’em é popularíssimo entre esportistas. O ex- tenistas Boris Becker e Yevgeny Kafelnikov viraram profissionais após se aposentarem. Michael Phelps, Rafael Nadal e vários pilotos de Fórmula-1 o praticam por hobby.

Entre os brasileiros, o ex-piloto Gualter Salles e o ex-atacante Paulo Rink são figurinhas fáceis em torneios de pôquer em várias cidades do país e no exterior, além de jogarem regularmente na internet. O piloto de stock car Thiago Camilo, outro assíduo praticante, costuma dizer que conheceu "duas grandes adrenalinas" no esporte: os segundos que antecedem a largada na stock car e os anteriores à resposta do adversário, no pôquer, quando ele tenta passar um blefe.

A batalha em Brasília e o entrave no Rio

Apoio do governo pode esbarrar em ministério comandado pela Universal

Há duas semanas, em resposta à solicitação da CBTH, o Ministério do Esporte (ME) se comprometeu a estudar a regulamentação do pôquer em outros países, o que foi festejado pela confederação como o primeiro passo para a criação de uma legislação para o setor no Congresso. O mais provável, porém, é que o apoio do ministério por ora não prospere muito.

No início do segundo governo Dilma, a pasta do Esporte foi dada ao PRB, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O ministro George Hilton nomeou Carlos Geraldo Santana, ex-presidente da TV Record no Rio e do PRB em Pernambuco, secretário nacional de Alto Rendimento.

Apoiar um jogo de cartas é tema delicado para as bases eleitorais de políticos ligados à IURD. Carlos Geraldo não quis dar entrevista ao GLOBO. Em nota, o ministério afirmou que designou dois servidores para estudar o tema, "sem prazo para conclusão”, e que "não há compromisso do ME em articular qualquer iniciativa de regulamentação".

Se no Congresso o caminho será longo, na Justiça o pôquer é quase invicto. A CBTH vem obtendo decisões favoráveis sempre que a atividade é questionada. Tribunais de Justiça de SP, MG, RS e SC, entre outros, decidiram que o esporte não se enquadra como jogo de azar.

A única exceção, por ora, é o Rio de Janeiro. Em 2010, um torneio disputado num clube da Barra foi fechado com a chegada da polícia, e os participantes foram indiciados pela prática de jogo de azar. Depois de condenação no Juizado Especial, o caso tramita atualmente na Câmara Criminal do TJ-RJ, e está em suspenso após pedido de vista de um dos desembargadores. Até uma decisão, para evitar a insegurança jurídica, a CBTH decidiu não promover etapas do BSOP no Rio. (Por Miguel Caballero – O Globo Online)

INFOGRÁFICO: O pôquer como jogo de habilidade e o crescimento no Brasil.