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Loterias estaduais: o STF e a segurança jurídica para novos negócios

30/09/2020

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Marcos Joaquim Gonçalves Alves e Bárbara Teles*

Os Estados e o setor de jogos estão na expectativa para que, enfim, tenham a segurança jurídica de uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF), após anos de liminares baseadas em um decreto da década de 1960. Para um negócio que é complexo, mas gera receita e empregos, é fundamental a garantia para novos negócios de uma sinalização positiva do STF. Esse é um caso claro, cristalino, de como a segurança jurídica é peça relevante para o ambiente de negócios no país.

Nesta quarta-feira, 30, o STF deve retomar o julgamento e finalmente decidir os rumos das loterias estaduais do país. Sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em tramitação desde 2013 e 2017, respectivamente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4.986 e as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 492 e 493 questionam o monopólio da União para a exploração de loterias, inclusive estaduais.

Ainda que muito antigo e ultrapassado, as Loterias são regidas pelo Decreto-Lei n. 204 de 1967. O Decreto-Lei determina que a exploração de loteria – aqui, entende-se como federal e estadual – é serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão (art. 1º), executado pela Caixa Econômica Federal (art. 2º). A respeito das loterias estaduais, se determina que seja mantida a situação à época existente, sem a criação de novas loterias estaduais (art. 32) e exigindo que as existentes não podem aumentar as suas emissões, ou seja, evoluírem (§1º do art. 32).

Em poucas palavras: o Decreto-Lei de 1967, anterior à Constituição Federal vigente (de 1988), impede que novas loterias estaduais sejam criadas e as existentes sejam ampliadas. Isto porque, sem a análise legislativa, atualmente considera-se monopólio da União a exploração do serviço de loterias. Neste ponto, vale ressaltar que o Decreto-Lei foi recepcionado pela Constituição, entendimento já consolidado pelo STF e que permite o funcionamento das loterias estaduais à época existentes.

Assim, atualmente 15 estados estão permitidos a explorar tal modalidade lotérica. Por outro lado, 11 estados e o Distrito Federal não podem se utilizar desse mecanismo. Isso acontece porque, à época da publicação do Decreto-Lei, as loterias estaduais que estavam funcionamento podem continuar a funcionar; porém, aqueles estados que não tinham loterias constituídas, não podem explorar tal modalidade nos dias de hoje.

Assim, os Estados federados que possuíam loterias estaduais em 1967 podem continuar a sua exploração, desde que limitados à realidade da época. Por outro lado, Estados que não possuem tal sorteios, não podem criar nova modalidade lotérica estadual.

Em jogo no julgamento pelo STF está a autonomia dos Estados para explorar suas modalidades lotéricas, de forma a administrá-las e adequá-las à realidade mais de cinco décadas após a edição da norma, além de desconstituir o monopólio da União para reger as loterias estaduais.

A definição pelo STF do tema é de grande importância aos Estados federados, principalmente em um momento de revisão das receitas e despesas para fazer frente aos investimentos despendidos para contenção da pandemia advinda da Covid-19. Importante ressaltar que as receitas de concursos de prognósticos são responsáveis por financiar a seguridade social, ou seja, saúde, previdência e assistência social (art. 195, III, da Constituição Federal). As loterias estaduais representam, portanto, importante instrumento de arrecadação para os seus Estados.

Para que possam se adaptar às situações da atual realidade econômico, financeira e social, 53 anos após a publicação do Decreto-Lei responsável por paralisar as operações, as loterias estaduais sofrem com uma série de decisões judiciais e questionamentos em processos administrativos, que não garantem a segurança jurídica para operação e desenvolvimento. Atualmente, as loterias estaduais instituídas são, por vezes, impedidas de operar ou têm suas operações suspensas por decisões de autoridades do Governo Federal, administrativas ou judiciais.

Apesar de a Carta Magna determinar que a legislação de sorteios é competência privativa da União (art. 22, XX) – e, neste ponto, o STF entende que se são caracterizados como espécie de sorteios as loterias (Súmula Vinculante n. 2) –, é importante que os Estados possam ter a interpretação final do limite de suas participações (ativas ou não) nas definições intrínsecas ao mercado das loterias estaduais, sem afrontar a Constituição Federal, mas se adequando à nova realidade brasileira anos depois da lei em vigência.

A definição do STF garantirá aos Estados a interpretação legislativa necessária para que possam continuar operando suas loterias estaduais ou, até mesmo, criar e estender seus serviços, o que vem sendo realizado à mercê de uma definição nacional, de acordo com o bem-entender de agentes governamentais estaduais, em sua maioria das vezes questionados em ações judiciais ou processos administrativos.

É preciso analisar, também, a viabilidade de um novo marco regulatório dos jogos no Brasil, a fim de que possamos avançar em investimentos muito necessários para sobrevivência econômico-financeira da União e de Estados – principalmente no cenário atual. Essa seria, enfim, uma grande solução, que, aliada à decisão do STF, poderia representar um salto neste negócio, com segurança, transparência e regras rígidas. Pode ser uma grande oportunidade de se discutir evolução para as loterias, federais e estaduais, nesse novo ambiente de permissão para operação dos jogos no país.

É notório o interesse de investidores, inclusive estrangeiros, em explorar os jogos no país, desde que se garanta a devida segurança jurídica e instrumentos de controle corretos. Assim, a decisão quanto às loterias estaduais pode ser um bom início para demonstrar o comprometimento das instituições brasileiras com o tema e a importância da rediscussão de parâmetros antigos e ultrapassados. Um grande negócio pode surgir e o primeiro passo, com a segurança jurídica, pode ser dado com o Supremo Tribunal Federal na quarta-feira, 30. É inconcebível que grandes investimentos, sobretudo estrangeiros, sejam feitos baseados em negócios ancorados em liminares e, por isso, a solução passa necessariamente pelo STF.

(*) Marcos Joaquim Gonçalves Alves e Bárbara Teles são sócios-fundadores do escritório M.J. Alves e Burle Advogados e Consultores e veicularam o artigo acima no Blog do Fausto Macedo no O Estado de São Paulo.