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Especial Patologia: “Perdi R$ 1 milhão no jogo”: A história de uma compulsiva como Silvana

17/10/2017

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Silvana (Lilia Cabral) está cada vez mais encrencada em "A Força do Querer". Depois de dar um golpe na empresa do marido Eurico (Humberto Martins), roubando cheques e falsificando a assinatura, e fugir da clínica de reabilitação, perder uma grande quantia no jogo depois de recorrer a um agiota, ela ainda enfrentará mais problemas na sua vida.

"A progressão dela é para pior. Neste personagem, o progresso dela é a decadência moral, de alma. Ela perde os amigos, a família, o trabalho, perde tudo. Ela não enxerga que é doente", disse a atriz, em agosto.

Após 15 anos de compulsão, a aposentada paulista Maria*, de 66 anos, está há seis meses sem jogar. Ela contou ao UOL que a realidade que viveu é bem semelhante com a de Silvana. Ela não admitia que era viciada e só decidiu buscar ajuda no grupo de apoio Jogadores Anônimos (que tem sedes em vários endereços no país), depois que seus filhos começaram a desistir de ajudá-la.

"A gente acha que não tem doença nenhuma, que apenas gosta de jogar porque dá prazer e tal. É uma doença de caráter progressivo, ela te leva ao fundo do poço, é o que acontece com a Silvana. Acontece de ela ganhar no jogo, mas depois você joga aquilo que ganhou e mais um pouco porque é um jogo de azar", lembra Maria.

A aposentada já perdeu bens e se endividou com o banco apostando em máquinas de bingo.

"Perdi mais de R$ 1 milhão. Jogava às vezes R$ 10 mil por dia, era muita loucura. Eu era viciada numa máquina de bingo chamada ‘Show Ball’. Nunca gostei de jogar cartelinha, para mim aquilo era café pequeno. Comecei a jogar por alguma carência. Você já tem a doença da compulsividade, aí você joga para algum setor, uns para a bebida, outros para drogas, compras ou jogo. Eu foquei no jogo porque era uma coisa que gostava. Tinha um histórico de família que meu vô jogava baralho, eu jogava com ele. Minha mãe foi uma jogadora de baralho. Comecei a jogar porque eu tinha prazer em jogar", explica. Ela começou a jogar no mesmo ano em que se divorciou do marido.

"Ficava 24 horas jogando. Lá tem almoço, jantar, lanche, tudo de graça. Porque o marketing que eles usam dentro do bingo é realmente para chamar essas pessoas que estão carentes, para se sentirem acolhidas, num lugar que dá prazer."

Assim como Silvana enfrenta problemas familiares com o marido e a filha, Maria também passou por isso e só se deu conta de que estava colocando tudo a perder em março deste ano.

"Cheguei a ser proibida de ver meus netos, aí a casa caiu realmente para mim e eu vi que estava perdendo a minha família. Eu quis resgatar e consegui porque dei a volta por cima. Meu filho me ajudou financeiramente. Perdi imóveis e carros. Também tive que entregar meus carros por causa de dívida de banco. Meu filho me ajudou pagando a dívida do banco, eu fiquei com a dívida com ele, porque os juros do banco são bem altos", conta.

Além de frequentar os Jogadores Anônimos e coordenar reuniões, a aposentada, que se orgulha por hoje poder tomar conta das netas todos os dias, faz um tratamento paralelo no Instituto de Psiquiatria da USP. "Eu estou tão bem, que o psiquiatra não deu remédio, falou para eu nunca mais sair do JA (Jogadores Anônimos), me deu os parabéns e disse que quer me ver só em outubro. Se eu tiver alguma recaída que é para procurá-lo. Estou muito feliz comigo. Quero ser um exemplo para as pessoas."

Maria tem conseguido superar o vício sem precisar de internação. Mas, assim como Silvana de "A Força do Querer", muitas pessoas buscam clínicas de reabilitação para tratar a doença. O psicólogo Alberto Edwards, coordenador da clínica Vitta, localizada em Guaratinguetá, no interior de São Paulo, conta que as pessoas, em geral, buscam tratamento quando já estão afundadas em dívidas e em quadro depressivo. Ele diz que a decadência da personagem de Lilia Cabral na novela está de acordo com o que acontece na vida real.

"O jogo funciona na mesma área que a cocaína atua no cérebro. Quando a pessoa joga, ela tem uma descarga de dopamina muito grande. Essa descarga é encontrada no sexo, num prato de comida que a pessoa gosta. O orgasmo é a maior descarga de dopamina que o ser humano pode ter. Com o passar do tempo que a pessoa vai jogando, o cérebro vai se condicionando aquele prazer. Então, ele só vai conseguir chegar ao ápice do prazer se ele tiver recebendo estímulo para chegar aquela descarga prazerosa", explica.

Os primeiros 12 dias de tratamento são os mais complicados para o paciente e, para evitar fugas, como aconteceu com Silvana, a clínica que o psicólogo coordena mantém pessoas para acompanhá-las o tempo todo, chamadas de "anjos", que na verdade são guardiões. As crises de abstinência trazem alguns sintomas que podem ocasionar recaídas e por isso, normalmente, a pessoa interna precisa tomar medicamentos para auxiliar no tratamento.

"A pessoa fica irritada, impaciente, não consegue trabalhar, produzir, tem dificuldade de leitura, de atenção. Fica sem foco, não consegue criar mais filhos, perde a autoestima, não consegue mais se arrumar. As situações da vida perdem a graça. A vida fica cinza, ela só ganha o colorido quando ela consegue sentar na frente de uma máquina", conta o psicólogo.

Assim como conseguiu se livrar do vício há seis meses, Maria torce para que Silvana tenha uma final feliz na novela.
"Olhando com olhos de uma jogadora compulsiva como eu fui, acho que ela acaba como todo mundo. Ela perde muito dinheiro, a família descobre, ela tem que fazer tratamento e se recupera. É o que a gente espera. Apesar de ela já ter ido numa clínica, não adiantou, mas eu espero esse final feliz. Acho que ela toma consciência de que ela é doente realmente e faz um tratamento", torce. *Nome fictício a pedido da entrevistada. (Do UOL, no Rio – Marcela Ribeiro – Imagem: Estevam Avellar/Globo)