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Bingos travam batalha silenciosa.

07/03/2004

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Ao contrário do que se previa, as 1.100 casas de bingo do Brasil não reagiram na Justiça de forma maciça à Medida Provisória 168, que proíbe, desde 20 de fevereiro, o funcionamento desses estabelecimentos no país. Os recursos judiciais foram pontuais, escassos – como no Estado de Santa Catarina, onde três bingos chegaram a ganhar liminares. O silêncio dos empresários é estratégico. A Associação Brasileira de Bingos (Abrabin) informa que as manifestações de empregados nas ruas estão sendo acompanhadas de negociações nos bastidores do poder. O presidente da Abrabin, Olavo Sales Silveira, prefere apostar na articulação política. O fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter demonstrado ser favorável à legalização dos bingos uma semana antes de editar a MP é um dos motivos da confiança no sucesso das negociações. – Não estou com pressa. Existem muitas pessoas a favor do bingo, mas elas não se manifestarão agora, porque não é um bom momento. É uma batalha que vai acontecer no Congresso. No plano judicial, não temos dúvida de que conseguiremos a nulidade da MP, pois está cheia de erros – acredita. Na semana passada, enquanto funcionários de bingos protestavam em seis capitais brasileiras, Sales Silveira estava em Brasília, de onde retornou para São Paulo na quinta-feira. Esteve no Congresso para conhecer os 12 parlamentares que estão envolvidos na apreciação da medida provisória. Inteirou-se da agenda da MP. Encontros extra-oficiais com ministros – não quis revelar nomes – compuseram a agenda do presidente da Abrabin. O andamento das articulações políticas parece ser responsável pelo otimismo dos empresários do ramo. Os 500 bingos associados, segundo informou a Abrabin, estão cumprindo uma decisão tomada em conjunto: não demitiram seus funcionários, a quem prometem pagar o salário deste mês. Até porque os trabalhadores que têm seus empregos em risco são um trunfo para os empresários. Os protestos desses funcionários são o apelo mais visível contra a MP. Na sexta-feira, a diretoria da Abrabin se reuniria com os associados para incentivar as manifestações, que chamam de luta. – Estamos fazendo o nosso barulho – disse um funcionário da Abrabin. Embora assegurem, por enquanto, esses empregos, a associação alerta: só haverá recursos para pagar os salários deste mês. Assim, uma possível mudança na situação jurídica dos bingos tem poucos dias para salvar essa massa de trabalhadores. Na contramão da estratégia da Abrabin, algumas casas de bingo não associadas de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo entraram com recursos judiciais contra a medida provisória. No Rio de Janeiro, uma casa de bingo não associada já demitiu 98% de seus funcionários. De 187, sobraram quatro. Um dos empregados remanescentes, que não quis ser identificado, ainda teme perder a fonte de sustento da família. Só não foi demitido ainda, acredita, porque trabalha no escritório da empresa. Ele participou de uma passeata de protesto no Rio na semana passada, mas não acredita na eficácia das manifestações. – Falam (empregadores) para a gente esperar. Ficamos sabendo do que acontece pelos jornais – queixa-se. O funcionário reclama da falta de comunicação com os donos dos estabelecimentos. Alguns empregados que trabalhavam nesse bingo desde sua inauguração, há quatro anos, foram pegos de surpresa pela demissão. – Eram pessoas que precisavam desse dinheiro. Os carteleiros ganhavam só R$ 400 e agora estão todos desempregados – lamenta. A Associação de Bingos do Rio de Janeiro (Aberj), em sintonia com a Abrabin, manteve a recomendação de que os bingos no Estado continuem fechados, ”pois está convencida de que a situação ainda não é jurídica”, informou em nota oficial. Os empresários esperam uma solução política. Entendem que os bingos ficaram no meio de um imbróglio que não os envolvia, obrigando-os a parar as atividades no Rio. Permanecem fechados para ”evitar constrangimentos” a clientes, imprensa e Polícia Federal e ”em obediência” à decisão do presidente Lula. Ao mesmo tempo, têm segurança de que juridicamente uma liminar do Supremo Tribunal Federal garantindo ao Estado o funcionamento dos bingos no Rio não pode ser sobrepujada por uma medida provisória. Os associados se dizem ”cansados com as injustas acusações de que são contraventores, sonegadores e lavadores de dinheiro”. Além de argumentos jurídicos, políticos e morais, a Aberj lança mão de outra importante cartada: alega que a MP compromete ”6 mil empregos diretos e 15 mil indiretos; o repasse anual de cerca de R$ 30 milhões para os projetos sociais do governo do Rio; os recursos da atividade para formação de atletas das entidades esportivas ligadas aos bingos e o entretenimento saudável para milhares de cariocas”. Sem opção de lazer. Enquanto a Associação Brasileira de Bingos se articula no Planalto, uma legião de aposentadas contrariadas, porque perderam sua diversão preferida com o fechamento das casas de bingo, maldizem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As tardes ociosas, que antes eram preenchidas com chás e muito bate-papo enquanto completavam as cartelas, têm causado tristeza na aposentada Sylcea Ramos Chaves, de 73 anos. – Por que tanta MP? Quem vivia de MP era o (ex-presidente) Fernando Collor. Essa atitude radical só serviu para abafar o resto das falcatruas. O Lula não tem idéia de quantas eleitoras perdeu com essa decisão. – esbraveja a freqüentadora assídua do Bingo Copacabana. A falta de opção de lazer para a terceira idade é uma das principais reclamações de quem não imagina o que vai fazer sem poder ir aos bingos. Sylcea conta que, quando o sábado se aproxima, começa a agonia. – Sempre me arrumava bonitinha, ia para o bingo, tomava meu chazinho e conversava com as minhas amigas. Agora não tenho muito o que fazer, porque desde que fiquei doente não posso mais ir à praia – reclama. Para a aposentada, que já teve uma experiência inusitada num bingo, os funcionários são exemplares e o ambiente é muito ”familiar”. – Uma vez, enfartei dentro do banheiro do bingo. Sem pestanejar, os rapazes providenciaram uma cadeira de rodas, pegaram meu celular e ligaram para o meu filho para saber a qual hospital deveriam me levar – lembra, bem-humorada. A volta ao bingo foi triunfal. Todos os freqüentadores e empregados levantaram-se para receber a recém-recuperada. – Só tenho elogios a fazer aos bingos. É uma distração inocente. Para quem ficou viúva, a solidão incomoda muito. O que mais queremos é alguém para conversar, e isso eu sei onde encontrar. A professora aposentada Ephigenia Carmo Bicalho, que não quis divulgar a idade, também não poupa crítica à medida provisória. – Achei uma loucura e uma falta de consideração com os freqüentadores. O presidente deveria pensar menos em viajar com a mulher e refletir melhor sobre suas atitudes – sugere Ephigenia. O programa semanal da professora não dispensava, segundo ela, uma ”cervejinha” e boa companhia. – Ia sempre com a minha filha ou com as amigas. Eu gosto muito de sair e imagino que muitas daquelas senhoras não tinham outra opção de lazer. Era comum ver pessoas chegando em cadeiras de rodas – conta a aposentada. Ephigenia diz que não vai conseguir esperar muito tempo pela reabertura dos bingos. – Vou morrer contrariada – exagera.Jornal do Brasil – Daniela Dariano e Luísa Gockel